6 de julho de 2010

As mil e uma noites.

Com os dois volumes da Ediouro ao meu lado na cama, após aqueles instantes de orgasmo literário, penso em comentar com alguém, em começar imediatamente um texto que dissesse enfeitadamente: é a história de amor mais linda de todos os tempos.

De fato, a forma como a narrativa é construida, a desilusão, a vingança e a amargura servindo de base pro que estava pra nascer. Uma heroina épica (sim, sim) dotada das três qualidades chave nas heroínas: beleza, inteligencia e coragem. Um homem poderoso que foi rendido pelos encantos de uma mulher. As centenas de histórias que nos levam ao oriente, nos fazem ver as cores, os cheiros, a vida, da Índia séculos atrás... Um final feliz e arrebatador, coroando uma longa jornada. E tudo culminando no título. Jorge Luis Borges disse que é um dos títulos mais belos do mundo, porque mil nos dá a impressão de infinito. É o infinito mais um, é maior que o infinito. Sim, temos aí todos os ingredientes pra maior história de amor meloso de todos os tempos. Não fosse um porém: não há amor. Pelo menos não nas primeiras mil noites.

Cheherazade não decide se casar com o sultão por estar apaixonada, por querer conquistá-lo. Ela decide porque é uma heroina (leia-se: filhinha de papai entediada com tantos livros e em busca de emoção) que usa como pretexto acabar com a filha-da-putisse de Chahriar de dormir com uma a cada noite e estrangulá-las pela manhã. Ela é como eu, como nós, tantas vezes. Procuramos um problema, nos colocamos na forca, e aí passamos as mil noites seguintes tentando nos livrar dele. Cheherazade estava lutando por sua sobrevivência, e como toda mulher que possui a tríade, sabe que apertando os botões certos, qualquer homem se apaixona, nos livrando assim da nossa sentença de morte (porque a falta de amor é isso, não?).

Olhe pra você, olhe aí pro lado. Quantos Chahriars você conhece? Quantos sultões que dormem uma noite ao lado de uma mulher, pra na manhã seguinte estrangular o amor? Eu conheço vários. E várias. O que nos atrai nessas noites todas não é amor, é vingança. É nos ver vingados na boca de Cheherazade que fez com Chahriar o que queríamos fazer com tantos... conquistar, aprisionar a nós, fazer desistir de todas as outras que eram pra uma noite só.

É sim, As mil e uma noites é a maior história de vingança de todos os tempos.

Nenhum comentário: