Com os dois volumes da Ediouro ao meu lado na cama, após aqueles instantes de orgasmo literário, penso em comentar com alguém, em começar imediatamente um texto que dissesse enfeitadamente: é a história de amor mais linda de todos os tempos.
De fato, a forma como a narrativa é construida, a desilusão, a vingança e a amargura servindo de base pro que estava pra nascer. Uma heroina épica (sim, sim) dotada das três qualidades chave nas heroínas: beleza, inteligencia e coragem. Um homem poderoso que foi rendido pelos encantos de uma mulher. As centenas de histórias que nos levam ao oriente, nos fazem ver as cores, os cheiros, a vida, da Índia séculos atrás... Um final feliz e arrebatador, coroando uma longa jornada. E tudo culminando no título. Jorge Luis Borges disse que é um dos títulos mais belos do mundo, porque mil nos dá a impressão de infinito. É o infinito mais um, é maior que o infinito. Sim, temos aí todos os ingredientes pra maior história de amor meloso de todos os tempos. Não fosse um porém: não há amor. Pelo menos não nas primeiras mil noites.
Cheherazade não decide se casar com o sultão por estar apaixonada, por querer conquistá-lo. Ela decide porque é uma heroina (leia-se: filhinha de papai entediada com tantos livros e em busca de emoção) que usa como pretexto acabar com a filha-da-putisse de Chahriar de dormir com uma a cada noite e estrangulá-las pela manhã. Ela é como eu, como nós, tantas vezes. Procuramos um problema, nos colocamos na forca, e aí passamos as mil noites seguintes tentando nos livrar dele. Cheherazade estava lutando por sua sobrevivência, e como toda mulher que possui a tríade, sabe que apertando os botões certos, qualquer homem se apaixona, nos livrando assim da nossa sentença de morte (porque a falta de amor é isso, não?).
Olhe pra você, olhe aí pro lado. Quantos Chahriars você conhece? Quantos sultões que dormem uma noite ao lado de uma mulher, pra na manhã seguinte estrangular o amor? Eu conheço vários. E várias. O que nos atrai nessas noites todas não é amor, é vingança. É nos ver vingados na boca de Cheherazade que fez com Chahriar o que queríamos fazer com tantos... conquistar, aprisionar a nós, fazer desistir de todas as outras que eram pra uma noite só.
É sim, As mil e uma noites é a maior história de vingança de todos os tempos.
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