1 de novembro de 2009

Diário de Bordo Anhangava/Caiobá 01/11/09

O céu amanheceu céu-de-brigadeiro, como diz o Thiago, céu de vuadô. O Thi passou aqui cedo, a caminhonete carregada de equipamentos, mochilas, garrafas de água e mais dois amigos (é perigoso voar sem um QG móvel). Olhou pra mim e me passou as opções: algumas horas viajando até Tibagi, no interior do estado, lá as rampas de decolagem são amplas, o pouso é tranqüilo, bom pra iniciantes. Ou em Quatro Barras, subir o morro do Anhangava, uns quarenta minutos de subida a pé, pela trilha, quase escalando, caminho suado. A segunda opção era mesmo o que eu precisava, desde ontem, fazer os pés doerem mais que o coração.

E lá fomos nós, Thi, Kauan, Ni e eu. Altitude: 1600 metros. Desnível: 420 metros. Quadrante: N/W. Tipo de vôo: 2 - Térmica. O calor intenso, o peso nas costas. O velame, o selete, o pára-quedas. Chegamos e eu acho que já podia parar por ali. O sol forte, vento (térmica animal dizem eles) gostoso. Aí é hora de preparar tudo, as instruções... vou te prender aqui, e aqui... quando eu abrir o velame, o vento vai bater e vai parecer que a gente vai subir, ele vai puxar, mas não senta. Eu vou por na posição ideal, e quando eu mandar você corre, e não pára. Na hora certa eu vou falar “vem” aí você senta e se joga pra trás, quando encostar em mim relaxa que já foi. E eu penso: ó, e não é que ele tem um lado profissional?!

E foi exatamente assim, o pólo norte foi parar na minha barriga na hora em que o vento entrou no parapente, essa sensação de algo forte o suficiente pra tirar seus pés do chão arrepia. E aí sobe, sobe, e parece que não vai mais parar... o coração bate e volta, até que a adrenalina começa a circular na mesma direção que o sangue, e aí você volta a pensar. A primeira coisa que eu penso: meu deus, não acredito que tô fazendo isso! É que essa de esportes radicais não é a minha vibe, mas eu precisava extravasar, além do mais, eu estava adiando isso a três anos.

E eu fiquei impressionada, é, impressionada com a confiança que tenho no Thiago. Acho que se não fosse ele meu piloto, eu jamais teria ido. Mas cara, eu confio nele o suficiente pra arriscar a minha vida nas mãos dele sem pensar duas vezes. Não me importei com a distância que a gente tava do chão, com nada que podia dar errado, porque eu estava COM ELE. Como se ele pudesse mesmo voar.

Depois lembrei na minha conversa ontem com o Ivan, “ você é muito mais mulher do que eles homens. Você não é melhor que eles nem eles que você, são maturidades diferentes..” Lembrei da frase que a Reigi falou “quanto mais delicada é a rosa maiores seus espinhos”, e aí as lágrimas brotaram quentes, de caíam em direção ao chão, mesmo que eu soubesse que nunca chegariam nele. Aquela dor dos últimos dias em toda sua intensidade, misturada com tudo que tem em mim. É, lá de cima é tudo mais claro.

Logo vieram as perguntas de criança “Thi, e se o meu tênis cair? Thi, a gente pode trazer maçã pra comer? Thi, se a gente jogar uma bolinha de ping pong daqui e ela bater na cabeça de alguém a pessoa morre?” ele ria. Uma hora me perguntou quer pilotar?, o medo não deixou sozinha. Ele pegou na minha mão e foi guiando, sobe desce, gira pra esquerda... esse negócio deve ser mesmo o mais próximo que já inventaram de um vôo natural. E eu tentava manter minha cabeça ali, sem que ela descesse. Os verdes, os ventos, o mundo pequeno. Passaram vinte minutos, ele avisou o QG que ia pegar outra térmica e me levou mais alto. "Se tivesse nuvens podíamos entrar nelas”, me contou. Ganhei um sussurro no ouvido “o céu me lembra você, a liberdade de estar perto é a mesma..." Sorrio. Uma hora e vinte minutos depois descemos, e o chão parece tão duro agora...

Comemos melancia, falamos da vida, choramos nossas dores, dividimos nossas raivas. Nós quatro, o céu e a selva de pedra ao longe. Descemos, os pés sangrando e os arranhões não são mais nada.

No carro de volta mando uma mensagem pro Ivan, queria dividir isso com ele.
O sol forte começa a ameaçar diminuir, e no trevo entrando na cidade o Kauan solta: hoje vai dar um por-do-sol da porra... Um olhar entre ele e o Thi e ele vira em direção ao litoral. Próxima parada: Morro do Boi - Caiobá.

Chegamos lá, uma parada e uma oração pelo caso da Monique e do Osíris. Subimos, parece fichinha depois do Anhangava... O sol querendo deixar o céu laranja, o mar, o vento. Melhor que a primeira vez, acho que é a segunda. Você já sabe como as coisas vão ser, se prepara melhor... e subimos.

Na minha cabeça Lenine cantava: Sob o mesmo céu, cada cidade é uma aldeia, uma pessoa, um sonho, uma nação... sob o mesmo céu, meu coração não tem fronteiras, nem relógio, nem bandeira...♪ E eu queria que a Gaby Soncini estivesse lá também, bem perto do céu que ela tanto gosta, queria que o Ivan sentisse toda essa liberdade, perguntei pro Thi hey, se a gente ir pro mar e voar um tantão a gente vai chegar lá na Lara? E eu queria dividir com todos vocês... Marcolino, Alice, Deh, Thami, Nanny, Elizabeth, Reigi, Dri, Andresa, Mah, Silvia, Isadora, Juliana, Nandim, Laísa, Mel, Clara, Quel e o bonitinho, Brayan, Emelly, Lu, Nuriko, Gabi Albach, Val, Sócrates, Tati Bianquini, Tati Bitati, Ane Bela Flor, Nath, Dani, Lu, Deise, Bruna, Nayara, Camila e todo, todo mundo com quem eu ainda não tive a oportunidade de trocar palavras, mas aprendi a daqui de longe admirar... gostei de lembrar que estamos sob o mesmo céu. E de repente parecia que ia dar pra ver o cerrado, a floresta amazônica, o pantanal, os pampas...

Pra falar a verdade, eu sempre admirei e respeitei “isso” que o Thiago tem com o Paraglider, mas hoje eu ENTENDI... Você consegue extravasar pelos ares, mesmo que as lágrimas embacem o seu caminho. É verdade, depois de voar você não consegue mais andar sem olhar pro céu...

Como eles dizem:
- Thi, porque você não me contou logo que isso era tão bom?
- Porque se eu contasse você não ia acreditar, ia dizer que eu tava exagerando.

3 comentários:

Gaby Lirie disse...

Não podia deixar de te fazer uma visita e ler tudo aqui também.
Fiquei encantada com esse diário de bordo que me fez voar com você, e fiquei encantada pelo seu blog também, Branca de Even ganhou uma leitora!

Grande Beijo!

- disse...

-

Minhas gotículas de chuva interna são mais articulada do que qualquer outra palavra. Te ofereço minha eloquência molhada ;)

Josi - Com as mãos nas redeas de mim mesma! disse...
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